Nem todos concordam sobre o papel que os animais de produção devem desempenhar no desenvolvimento hoje em dia. Consideremos algumas das evidências para nos ajudar a responder à pergunta: os animais de produção são uma benção ou um fardo? Em primeiro lugar, o que queremos dizer com animais de produção? E, depois, que problemas resultam da produção animal?
O termo “animais de produção” geralmente se refere a animais domésticos, frequentemente divididos em grupos. Os principais grupos de animais são: bovinos, búfalos, camelos, ovinos, caprinos, suínos, equinos, mulas, asnos, coelhos, galinhas e outras aves (por exemplo, galinhas d’angola, patos, gansos, perus e avestruzes). Outros grupos são comuns em regiões geográficas específicas: porquinhos-da-índia, animais para a produção de pele (por exemplo, visom), veados e renas, lhamas, alpacas, vicunhas e guanacos. Geralmente não incluímos os peixes nem as abelhas.
Conflito e migração
Desde os tempos antigos, a utilização dos recursos naturais pelos animais de produção tem sido uma fonte de conflito. A Bíblia fala da separação de Abraão e Ló – “não podiam morar os dois juntos na mesma região, porque possuíam tantos bens que a terra não podia sustentá-los” (Gênesis 13:6), e também relata uma disputa pela água, mais tarde, entre os pastores de Isaque e os de Abimeleque (Gênesis 26:19-20).
A competição pela terra e pelos recursos hídricos, frequentemente entre os povos pastoris que criam animais, é a causa de alguns conflitos hoje nas terras secas da África. Antes da independência do Sudão do Sul, em 2011, a tribo indígena Nuba, que vive no sul de Kordofan, reclamava dos danos causados pela tribo Shanabla, que pastoreia camelos e que havia sido forçada a migrar para o sul em busca de terras para pastagem. Consequentemente, houve conflito.
Terra, solo, água e desmatamento
Meu primeiro contato com os problemas causados pela produção animal foi a evidência da degradação da terra que vi na África Austral, onde comecei meu trabalho no exterior como agrônomo. O solo da Suazilândia estava sendo levado pelas águas para o Oceano Índico num ritmo alarmante. Nós agora sabemos que o sobrepastoreio é um grande problema em muitos sistemas agrícolas e que a perda de vegetação em grandes áreas provavelmente causa impactos negativos nos padrões de precipitação.
Em grandes áreas da América Central e da América do Sul, as florestas foram derrubadas para aumentar as pastagens disponíveis para a pecuária em grande escala com o fim de produzir carne bovina para os mercados internacionais. Este desmatamento contribui para a danificação do meio ambiente, inclusive com a perda de biodiversidade e a presença de gases de efeito estufa na atmosfera. Frequentemente os benefícios são somente financeiros, de curto prazo e usufruídos por apenas umas poucas pessoas.
Pesquisas realizadas em várias partes do mundo (entre elas, a Colômbia, o Níger e a Somália) mostraram que é muito importante utilizar os conhecimentos locais para manejar as pastagens de forma sustentável. Elas sugerem que o pastoreio deve ser equilibrado com outros usos da terra, tais como agricultura, moradias, caminhos, florestas, etc.
Os animais de produção frequentemente consumem forragem cultivada em terras adequadas para a produção de alimentos humanos e, às vezes, competem por alimentos que podem ser usados pelos seres humanos. Os animais de produção convertem forragem em alimentos de forma muito ineficiente em comparação às culturas. Muitas pesquisas também mostram que os resíduos, entre eles, o estrume dos animais de produção e os gases dos animais ruminantes (especialmente nos sistemas de produção intensiva), poluem os recursos hídricos e contribuem significativamente para a produção de gases de efeito estufa provenientes da agricultura.
Quais são os benefícios?
Os animais de produção compensam estes custos? Parte da resposta é que os animais de produção são uma fonte de renda e podem melhorar a saúde das pessoas e o meio ambiente. Em algumas regiões, pode não haver uma forma alternativa de ganhar a vida. Os principais resultados econômicos da produção animal são:
- nutrição humana: carne, leite e ovos;
- produtos não alimentícios: fibras como lã, pelo e seda; couro, pele, penas, peliça, ossos e chifres; estrume para adubo;
- produtos alimentícios para outros animais: carne, ossos e farinha de sangue;
- outras funções: tração animal e transporte humano, recreação, intercâmbio social (presentes cerimoniais, etc.) e bem-estar e segurança econômica.
Muitas das pessoas mais pobres do mundo vivem nas áreas rurais dos países em desenvolvimento, e a maioria possui animais de produção entre os seus ativos econômicos mais importantes. A produção animal é um dos empreendimentos de maior crescimento nos países em desenvolvimento, já representando um terço da produção agrícola. De acordo com o Banco Mundial, no Paquistão, os animais de produção agora representam quase 40% da produção agrícola e cerca de 9% das atividades econômicas nacionais totais.
A escala da indústria provavelmente só aumentará com a crescente demanda dos países em desenvolvimento por produtos animais, a qual deverá dobrar nos próximos 20 anos. A produção animal poderia dar a centenas de milhões de pessoas a oportunidade de saírem da pobreza.
Os produtos animais podem satisfazer necessidades nutricionais importantes. Muitos produtos alimentícios vegetais ajudam a proporcionar uma dieta equilibrada, mas os ovos, a carne e o leite são fontes concentradas de alguns nutrientes importantes, especialmente para a dieta das crianças pequenas e das mulheres lactantes. Os animais de produção de pequeno porte, tanto em áreas rurais quanto urbanas, podem fazer uma grande diferença para a nutrição e a saúde das comunidades pobres.
Os animais de produção também podem consumir produtos residuais agrícolas e domésticos convertendo-os em alimentos humanos. O estrume dos animais de produção melhora a fertilidade do solo e pode estimular a economia local através da produção de biogás.
A utilização de animais ajuda reduzir o duro trabalho físico agrícola, o qual geralmente é realizado pelas mulheres, e ajuda no transporte pessoal. Além disso, o couro, a lã e outros produtos possuem vários usos no lar, para o vestuário, o artesanato e para a venda para indústrias manufatureiras maiores. A venda de animais pode proporcionar uma renda para ajudar as famílias em épocas de crise. Entretanto, há sempre o risco de que os animais adoeçam ou morram, causando dificuldades financeiras para os seus proprietários.
Outra forma como os animais de produção podem representar um fardo para as famílias é na área da educação infantil. Se as crianças tiverem de cuidar dos animais ao invés de frequentar a escola, sua educação será afetada. As crianças pequenas não devem ser usadas para contribuir para o sustento de suas famílias ou trabalhar sem supervisão, pois isto pode ser perigoso para a sua segurança e bem-estar. Entretanto, elas podem contribuir com tarefas domésticas adequadas para a sua idade e suas habilidades físicas ou mesmo cuidar de pequenos animais fora dos horários escolares.
A visão global: mudança nos padrões de consumo de alimentos
O que produzimos e o que consumimos afetam os padrões de agricultura, saúde, meio ambiente e desenvolvimento econômico numa escala mundial. Por exemplo, grande parte do comércio internacional de milho e soja flui de países como o Brasil para alimentar animais de produção na Ásia Oriental. Muitos outros países em desenvolvimento estão passando por mudanças significativas na produção e no consumo de alimentos.
A Indonésia é um bom exemplo disso: hoje, há uma população de quase 250 milhões de pessoas, e o país está urbanizando-se rapidamente, com uma expectativa de que mais de 60% da população esteja vivendo em áreas urbanas até 2025. À medida que as pessoas se mudarem das áreas agrícolas para as cidades e as rendas aumentarem, haverá uma demanda maior por produtos animais. Uma curta caminhada pelas lojas nas cidades da Indonésia mostra que, cada vez mais, a demanda nacional por alimentos está sendo satisfeita por importações da China e de outros países. Porém, a produção animal local é uma das poucas maneiras como os pequenos agricultores podem escapar da pobreza rural – e evitar a migração para a pobreza urbana. É importante que os agricultores locais sejam capazes de aproveitar estas oportunidades. A formação de cooperativas pode ser uma forma de competir nesses mercados internacionais.
Estilo de vida e identidade
Finalmente, há uma diferença fundamental na produção animal entre as sociedades industrializadas e as tradicionais. Nas sociedades industrializadas, o principal objetivo é o lucro. Nas sociedades tradicionais, os animais de produção possuem uma importância cultural para os povos pastoris como parte da sua identidade social e cultural. O manejo dos animais de produção pode reforçar e incentivar relações comunitárias importantes e mecanismos de intercâmbio como dotes matrimoniais, podendo até mesmo ter uma significância religiosa.