Muitas organizações financiam projetos de abastecimento de água que visam resolver o problema do acesso à água. Entretanto, elas nem sempre conseguem os resultados que esperam. Mesmo onde as pessoas têm acesso a um abastecimento básico de água, ainda assim pode haver problemas relacionados com a água. Isto ocorre porque os fatores sociais e culturais influenciam o uso, o controle e a qualidade de água.
Foi feita uma pesquisa sobre estes fatores na região de Mosquitia, em Honduras. Usando pesquisas realizadas em casas, grupos focais e a observação, os pesquisadores examinaram o conhecimento, as atitudes e os hábitos das pessoas em relação ao uso doméstico da água. A pesquisa envolveu três grupos étnicos (Garifunas, Miskitos e Mestiços), representando três culturas diferentes, já que a maneira como as pessoas usam água dentro de casa geralmente é influenciada pelos costumes tradicionais. Os líderes comunitários e os alunos de escolas secundárias ajudaram a coletar as informações.
As comunidades que participaram do estudo são todas pobres e enfrentam problemas de segurança alimentar durante partes do ano. Embora haja várias fontes de água nesta região, muitas delas estão contaminadas pela erosão do solo, por substâncias químicas usadas na agricultura, pelo esgoto ou por resíduos venenosos. Cada uma das comunidades que participaram da pesquisa possui um abastecimento de água encanada, que traz água diretamente para dentro da casa de muitas famílias. As comunidades também se beneficiaram com os recentes investimentos governamentais e privados cujo objetivo era criar e melhorar a infra-estrutura e o equipamento local para a provisão de cuidados de saúde. Foram produzidos encontros de treinamento, programas de rádio, cartazes e outros materiais didáticos para promover a boa saúde, inclusive a importância de se tratar a água em casa para torná-la segura para beber.
Apesar de tudo isso, ainda há altos índices de doenças e mortalidade. Muitas destas doenças estão ligadas à utilização, à gestão e ao tratamento de água em casa.
Tratamento de água
A pesquisa constatou que todos nas três comunidades têm algum conhecimento sobre a importância da gestão e do tratamento da água para beber (Passo a Passo 51). Porém, este conhecimento nem sempre é aplicado. Muitas pessoas não se dão conta de que a água encanada que chega até as casas não é necessariamente segura para beber. Setenta e cinco por cento das famílias garifunas realizam algum tipo de tratamento da água em casa, mas menos da metade das famílias mestiças e miskitas aplicam o seu conhecimento sobre o tratamento de água. Em todos os três grupos, apesar das tradições culturais diferentes, os métodos mais comumente usados para tornar a água adequada para beber são:
- ferver
- aquecer a água ao sol
- colocar cloro. Entretanto, pelo fato de o cloro ser caro, as pessoas nem sempre o usam, a menos que ele seja fornecido gratuitamente pelos postos de saúde.
Armazenamento de água em casa
Depois de tratada, a água geralmente é armazenada em barris, baldes ou recipientes de plástico. Estes nem sempre têm tampas para cobri-los e protegê-los, o que significa que a água se contamina com pó, mosquitos e moscas. Isto se vê em todas as casas.
As pessoas usam vidros ou canecas para mergulhar dentro dos recipientes e pegar água. Com freqüência, muitas pessoas diferentes usam a mesma caneca, e suas mãos entram em contato com a água ao fazerem isto. Como as pessoas geralmente não lavam as mãos, isto pode espalhar germes na água. Muitas vezes, a mesma caneca é usada para pegar água e para beber, sendo reutilizada sem ser lavada. Desta maneira, os germes são transmitidos.
Outros hábitos relacionados
A falta de higiene e saneamento nas casas e nas comunidades é outro fator importante. Por exemplo:
- muitas vezes, os quintais dos fundos estão cheios de lixo doméstico
- as latrinas não são limpas com freqüência
- joga-se lixo perto de fontes naturais de água
- são construídas latrinas perto de rios, e o esgoto de algumas delas vão direto para eles.
Geralmente as crianças destas comunidades não usam sapatos. Quando brincam, elas entram em contato com água, rios e lagos, os quais apresentam diferentes níveis de contaminação. As mulheres passam muito tempo lavando roupa nos rios e em locais que tendem a formar poças de água parada, onde as bactérias que causam doenças podem se desenvolver.
Lavar as mãos é vital depois de ir ao banheiro e antes de preparar e comer os alimentos, mas, muitas vezes, isto é ignorado. Desta forma, a doença pode ser transmitida para outros membros da família ou comunidade.
Conclusão
Embora as informações e o conhecimento sobre a água e o saneamento tenham sido transmitidos dentro destas comunidades, isto não levou automaticamente à mudança de hábitos. Não há apoio e reflexão de longo prazo para incentivar os bons hábitos de higiene e o tratamento da água. Todas as comunidades mostraram ter hábitos que poderiam causar danos à qualidade da sua saúde – este problema não se limita a apenas alguns grupos.
Oferecer acesso à água potável às comunidades não só requer soluções tecnológicas mais eficazes, mas também requer treinamento, conscientização e organização comunitária. Estes são necessários para garantir que todos os membros da comunidade tenham bons hábitos na utilização e no tratamento da água. Este processo requer apoio prolongado baseado em informações e que respeite as tradições culturais locais e leve em conta as diferentes necessidades dos homens, das mulheres e das crianças.
Yudith Contreras Veloso é antropóloga, e este artigo está baseado na pesquisa realizada em 2001 e 2002 para a sua tese sobre “Condições Sanitárias, Diversidade Cultural e Impacto na Saúde”.
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