Há anos que o Camboja tem sido foco de atenção internacional por ser um local onde as pessoas são traficadas, tanto para dentro como para fora do país. Por que isso acontece?
Os problemas do Camboja são complexos: pobreza, sistemas frágeis de apoio familiar e comunitário, aplicação inadequada da lei, corrupção em todos os âmbitos do governo e da sociedade e uma visão de mundo fatalística (uma crença no destino que faz com que as pessoas acreditem que não têm poder para mudar sua vida). Quando todos esses problemas se juntam, eles criam uma rede de fatores de risco interligados. Alguns problemas são grandes demais para serem resolvidos no âmbito comunitário. Alguns precisam de uma resposta em âmbito internacional.
A forma mais conhecida de tráfico é o tráfico relacionado com o sexo: meninas (e, agora, cada vez mais meninos também) são levadas à força ou ludibriadas para trabalhar em bordeis, cervejarias e bares de karaokê, onde são obrigadas a manter relações sexuais com os clientes. Alguns grupos étnicos do Camboja são visados pelo tráfico sexual porque suas mulheres são “valorizadas” por terem a pele mais clara.
Entretanto, em muitos casos, o tráfico humano não está relacionado com o sexo, mas, sim, com o trabalho. Por exemplo, os traficantes enganam rapazes para que trabalhem em barcos de pesca tailandeses sem remuneração ou recrutam moças para trabalhar como empregadas domésticas em países por toda a Ásia, onde elas frequentemente sofrem sérios abusos físicos e não são remuneradas.
A pobreza é a principal causa do tráfico humano no Camboja. As famílias pobres são muito vulneráveis ao tráfico, principalmente quando os membros da família não têm muita instrução. Tanto as crianças quanto os adultos tornam-se ainda mais vulneráveis quando vivem perto de uma fronteira com outro país, e a travessia ilegal da fronteira é comum. Eles podem ser facilmente traficados para o outro país, sem direitos e sem um sistema judiciário para protegê-los.
A World Relief Camboja tem duas prioridades principais que nos ajudam a decidir como responder ao desafio do tráfico e da exploração. A primeira prioridade é capacitar e trabalhar com a igreja local. A segunda é focar na prevenção ao invés de no resgate. Acreditamos que, no longo prazo, é melhor ajudar as igrejas e as comunidades a erradicar o tráfico antes mesmo que ele comece.
Ajudamos a prevenir o tráfico através da conscientização sobre seus perigos em todos os nossos programas atuais. Por exemplo:
- Nossos grupos de crianças e jovens aprendem sobre “as mentiras que os traficantes contam” (veja as páginas 8 e 9) para saber como identificar e denunciar atividades suspeitas em suas comunidades.
- Os grupos de educação sobre a saúde para adultos, organizados pelas igrejas, falam sobre a importância de que as famílias tenham esperanças e sonhos de longo prazo, não apenas de curto prazo. Eles também discutem maneiras de se prepararem para esse futuro melhor e não se sentirem tentados a procurar ganhar dinheiro rápido.
- Os líderes e membros de igrejas aprendem a atuar como promotores da proteção de seus filhos e criar locais acolhedores para prestar cuidados às pessoas que já foram exploradas.
- Os líderes das comunidades locais aprendem como torná-las mais estáveis. Eles recebem treinamento para poderem ensinar os habitantes de seus povoados sobre os riscos da migração entre fronteiras e explicar-lhes como migrar de forma segura em busca de trabalho.
Vemos resultados surpreendentes quando os habitantes dos povoados começam a compreender os verdadeiros perigos do tráfico. Tivemos mães chorando pelos filhos, de quem não tinham notícias há mais de dois anos, e pedindo-nos para que ajudássemos a trazer seus filhos de volta para casa em segurança. Nós, então, colocamos essas mães em contato com serviços profissionais para ajudá-las a localizar seus filhos.
Nos povoados em que organizamos as oficinas de conscientização, o número de crianças que continuam estudando é maior porque os pais aprenderam como proteger os filhos e dar-lhes um futuro melhor. O número de pessoas que migram para longe das comunidades onde trabalhamos é menor, especialmente naquelas onde iniciamos grupos de poupança. Ao começarem um grupo de poupança, os membros da comunidade podem aumentar seus negócios pedindo um empréstimo ao grupo. Isso os torna menos vulneráveis aos traficantes e suas mentiras e diminui as probabilidades de que eles migrem para encontrar trabalho em locais onde poderiam ser explorados.
Aprendemos muito com esse trabalho. Aqui estão algumas das chaves para o sucesso:
- Use grupos existentes para a conscientização e educação sobre prevenção Use sempre grupos comunitários já existentes, como igrejas e encontros periódicos de líderes comunitários, para aumentar a conscientização e o compromisso desses grupos de prevenir o tráfico antes mesmo que ele comece.
- Use voluntários Damos aos voluntários desses grupos comunitários e de igrejas as informações e o treinamento de que eles precisam para conscientizarem as comunidades sobre os riscos do tráfico e, assim, ajudarem a preveni-lo.
- Cause um impacto duradouro A conscientização não levará a uma verdadeira prevenção do tráfico a menos que todos os membros da comunidade compreendam os perigos. Além disso, a comunidade inteira deve comprometer-se a se proteger de uma forma que ela própria tenha desenvolvido e escolhido.
- Simplifique A maioria dos grupos comunitários e de igrejas não está equipada para organizar programas que exijam habilidades complexas ou treinamento profissional, como, por exemplo, organizar resgate ou aconselhamento pós-trauma para sobreviventes. Ao invés disso, os programas devem focar no trabalho de prevenção, tais como conscientização e atividades que fortaleçam as comunidades vulneráveis ao tráfico.
Tim Amstutz é o Diretor Nacional da World Relief Camboja. Você encontrará mais informações sobre o trabalho da World Relief no site da organização, www.worldrelief.org, ou enviando um e-mail para [email protected]