Há alguns anos atrás, realizei uma pesquisa que estudava o trabalho de 75 grupos autoformados em Uganda e Gana. Foram aprendidas muitas coisas fascinantes, e o valor da combinação de esforços era óbvio. Há vários aspectos interessantes, quando examinamos como produzir alimento em situações difíceis.
Senso de propósito
Os grupos se formam por muitos motivos – por ordem de autoridades locais, para obter alfabetização, para economizar dinheiro, para construir uma sala de aula, para cultivar e processar plantas para a alimentação ou para solicitar subvenções de ONGs. Os grupos que são independentes, possuem um senso de propósito claro e trazem benefícios a seus membros podem continuar por muitos anos.
Liderança
Às vezes, os grupos são reunidos por um líder dominante, que continua a controlar o que eles fazem. Estes líderes podem oferecer uma direção clara – por exemplo, no cultivo, no processamento ou na comercialização das culturas agrícolas – de maneira que todos os membros se beneficiam. Os grupos em que os líderes possuem outros motivos escondidos – principalmente se estes consistirem em lucros financeiros – têm poucas probabilidades de prosperar. A liderança dominante, entretanto, provavelmente não incentivará a discussão e a reflexão, e, assim, as habilidades e a confiança dos membros não se desenvolverão. Os grupos com líderes que incentivam seus membros a discutir, planear e avaliar suas atividades geralmente são particularmente bem-sucedidos.
Confiança
Os grupos que aprenderam a trabalhar em conjunto em atividades práticas bem-sucedidas podem criar laços fortes de confiança com o tempo. Os membros ficam mais descontraídos na companhia uns dos outros, começam fortes amizades, são capazes de fazer brincadeiras uns com os outros e são confiantes na discussão. Esta confiança pode permitir que o grupo dê passos mais ambiciosos e planeie uma mudança maior, simplesmente porque as pessoas sabem que podem contar umas com as outras. Raramente há atalhos para se chegar a esta confiança, a qual geralmente se desenvolve ao longo de vários anos de amizade e experiência.
Dinheiro
A administração segura de dinheiro dentro dos grupos é muito importante. Os membros precisam de saber que podem confiar totalmente em seu tesoureiro e seus administradores. Sem esta confiança, seu trabalho em conjunto tende a limitar-se a trabalhar lado a lado e compartilhar os benefícios. Por exemplo, os grupos de mulheres geralmente compartilham o trabalho de processamento de suas safras e, então, vendem-nas separadamente. Entretanto, quando há uma confiança verdadeira, as mulheres podem combinar seu dinheiro e usá-lo para empreendimentos conjuntos mais ambiciosos. Elas podem alugar mais terras para o plantio de suas culturas ou legumes e trabalhar nelas em conjunto, sabendo que seu trabalho beneficiará a todas igualmente. Elas podem trabalhar para comprar juntas equipamento de processamento, tais como moinhos, moedores de mandioca ou equipamento para o engarrafamento de azeite-de-dendê (óleo de palma) ou suco de frutas. Os grupos também podem começar sistemas de crédito renovável, pagando uma pequena quantia de dinheiro cada vez que se encontrarem, para que haja uma quantia global, que possa ser emprestada a um dos membros em cada encontro. Desta forma (dependendo do tamanho do grupo), seria emprestada uma grande soma a cada um dos membros uma vez a cada um ou dois anos. Os homens da Associação de Agricultores de Rwancereere, no su-doeste de Uganda, contribuíam com um saco de batatas ou o equivalente em dinheiro a cada colheita. Isto proporcionou um fundo para que os membros pudessem obter pequenos empréstimos.
O interessante é que poucos dos grupos de homens observados estavam muito interessados em combinar seu dinheiro desta forma! Os homens preferiam compartilhar novas idéias e tecnologias, ao invés de trabalhar em conjunto. Por exemplo, Os Criadores de Bois de Bikyiiteng, em Gana, ajudaram a compartilhar treinamento no uso de bois para a aragem, e todos os membros estavam trabalhando para obter seus próprios bois. A Associação de Apicultores de Tanyigbe compartilharam habilidades em apicultura e processamento de mel.
Os grupos que se formam apenas para obter uma subvenção ou empréstimo de uma ONG para começar um pequeno negócio raramente têm êxito. Isto é porque eles não passaram pelo processo gradual de criação de confiança e pela experiência do trabalho em conjunto. A menos que um grupo tenha estado reunindo-se e traba-lhando em conjunto com êxito por dois anos ou mais, é improvável que usem a subvenção ou o empréstimo sem problemas.
Informações
Uma das descobertas da minha pesquisa foi que os grupos permitiam a troca eficaz de idéias. Os membros apoiavam-se mutuamente ao experimentarem-nas, e, se as idéias fossem bem-sucedidas, eles as difundiam rapidamente entre os outros membros. Alguns grupos reservavam parte de seus encontros para compartilhar e demonstrar novas habilidades e informações.
Afiliação
Os grupos levavam a afiliação de forma muito séria. As pessoas não podiam ficar entrando ou saindo da afiliação quando bem entendessem. Na verdade, alguns grupos até multavam os membros que não comparecessem aos encontros com regularidade. A afiliação era vista como um privilégio, o qual, às vezes, exigia uma longa espera. Ocasionalmente os não membros que estavam sendo considerados para a afiliação recebiam permissão para comparecer aos encontros. Os grupos bem-sucedidos atraíam novos membros, os quais poderiam ameaçar a futura existência do grupo, se o número se tornasse grande demais. Em muitos casos, os grupos limitavam o seu número ou estabeleciam obstáculos para a afiliação, geralmente financeiros.
Quase todos os grupos elegiam membros de comitês formais e mantinham registros de atas, o que era surpreendente, visto que eram todos informais e autoformados.
Diferenças entre os sexos
Um pouco mais da metade dos grupos visitados eram de mulheres. Apenas 15% eram de homens. Um terço dos grupos tinham um número equilibrado de homens e mulheres, muitas vezes, incluindo maridos e mulheres. As mulheres estavam mais dispostas a investir tempo e esforço para estabelecer iniciativas a longo prazo, tais como plantações de árvores, produção e comercialização de legumes ou criação de animais. Os homens preferiam que os benefícios fossem óbvios para eles como indivíduos, desde o início, tais como o treinamento de bois e o acesso a hortas irrigadas.
Apoio social
A afiliação ao grupo oferecia um sistema de apoio social importante. Este tendia a ser mais forte entre os grupos de mulheres, cujas afiliadas tinham mais probabilidades de trabalhar em conjunto e passar mais tempo em companhia umas das outras. Por exemplo, as mulheres mais velhas falaram da certeza que sentiam de que, durante doenças e mortes na família, outras afiliadas as apoiariam e um grande número delas compareceria ao seu funeral. As mulheres mais jovens falaram da ajuda e do aconselhamento recebido. Nos grupos com sistemas de crédito renovável, os membros mencionaram que, se um deles estivesse em dificuldades financeiras, a sua vez de receber o empréstimo poderia ser antecipada. Por exemplo, a Associação de Mulheres de Zangbogu, sediada numa região muito pobre do norte de Gana, perto de Wa, encontrava-se quinzenalmente. As afiliadas trabalhavam juntas, cultivando árvores para lenha, amendoim, soja e criando porcos. Seus maridos haviam ficado impressionados com suas façanhas e emprestaram ao grupo cinco hectares. Os aspectos sociais, tais como o apoio às afiliadas com problemas de saúde e a organização de um pequeno sistema de crédito, desempenharam um papel importante no grupo.
Autoconfiança
Uma das observações mais surpreendentes da pesquisa foi o aumento de autoconfiança que resultou dos grupos bem-sucedidos com o tempo. Os grupos que experimentaram idéias diferentes e tiveram sucesso com algumas delas, ganharam autoconfiança, primeiramente dentro do grupo. Depois, porém, esta confiança freqüentemente se estendia à habilidade de lidar com outras pessoas da comunidade mais ampla, inclusive com ONGs e com os funcionários do governo. Por exemplo, o Grupo de Mulheres de Ihimbi, perto de Kabale, Uganda, ou Sokode Novi, perto de Ho, em Gana, visitava periodicamente departamentos ou funcionários governamentais para solicitar treinamento ou aconselhamento.
Isabel Carter tem editado a Passo a Passo para a Tearfund há 14 anos. Ela realizou uma pesquisa detalhada sobre as formas como as informações são trocadas a nível de base e desenvolveu os materiais PILARES como uma maneira de colocar estas descobertas em ação.