pelos Drs Neela e Amitava Mukherjee.
Para os 350 milhões de pessoas na Índia que vivem em extrema pobreza, a segurança alimentar é literalmente uma questão de vida e morte. A agricultura sustenta quase 70% da população da Índia, a maioria da qual possui menos de 2 hectares de terra.
Nós acreditamos que um lar, uma comunidade ou uma nação oferecem segurança alimentar se:
- alimentos culturalmente aceitáveis forem cultivados e estiverem disponíveis
- as pessoas tiverem condições de comprar os alimentos
- as pessoas tiverem a liberdade de escolha para comprar os alimentos disponíveis
- os alimentos disponíveis tiverem um bom valor nutritivo.
Há três tipos principais de alimentos disponíveis aos pequenos agricultores:
- alimentos que podem ser colectados sem serem cultivados
- alimentos produzidos por métodos tradicionais de cultivo – agricultura com poucos recursos
- alimentos produzidos por métodos modernos e intensivos de agricultura (uso de fertilizantes, pesticidas e mecanização moderna) – agricultura com muitos recursos.
Nas duas últimas décadas, a produção de grãos (tais como o trigo, o arroz e o milho) através da agricultura de muitos recursos cresceu surpreendentemente na Índia numa proporção de três ou quatro vezes mais. No entanto, a produção gerada através da agricultura de poucos recursos, tais como as de leguminosas e de grão-de-bico, as principais fontes de proteínas para os pobres, diminuíram.
Isto está ocasionando mudanças nos hábitos alimentares. As variedades tradicionais de cereais estão desaparecendo pois o arroz e o trigo estão tomando conta do mercado. Até mesmo as variedades locais de arroz e de trigo também estão se tornando escassas. Isto significa que a primeira condição acima – que alimentos culturalmente aceitáveis estejam disponíveis – está desaparecendo rapidamente. A agricultura de muitos recursos está a levar muitos pequenos agricultores a entrar em dívidas ao procurarem comprar os recursos necessários. Portanto, a segunda condição também está sob ameaça pois a capacidade dos agricultores para comprar alimentos está reduzida.
Freqüentemente, as mulheres são as mais afectadas com a deterioração da segurança alimentar. Talvez elas tenham que trabalhar por muitas horas fora de casa para ganhar dinheiro extra para comprar alimentos. Elas são responsáveis pela distribuição dos alimentos entre a família e as que mais provavelmente ficam sem alimentos para si próprias para que as suas crianças recebam o suficiente.
A colecta de alimentos faz provisões para consumo no lar e para venda. Este tipo de alimentos contem freqüentemente vitaminas e minerais essenciais. Durante os períodos de fome, secas e outros desastres, eles são uma fonte importante de alimentos e é por isso que também são chamados ‘alimentos da fome’.
Poucos registros revelam quantos alimentos são realmente apanhados. Os estudos feitos por N S Jodha (1986) em regiões áridas da Índia constataram que até um terço dos alimentos que as pessoas necessitavam estavam sendo supridos através desta fonte.
Mudanças na segurança alimentar
Outras pesquisas confirmaram que são principalmente as mulheres que coordenam o abastecimento alimentar no lar e usam alimentos silvestres ou apanhados para complementar o abastecimento alimentar. Os recentes e rápidos aumentos na produção de grãos na Índia não refletem uma melhoria semelhante em segurança alimentar para as pessoas mais pobres na Índia. Isto pode ser facilmente demonstrado pelas pesquisas realizadas no povoado de Krishna Rakshit Chak, no Distrito de Midnapore, na região oeste de Bengala. Os moradores do povoado pertencem à tribo Lodha e são principalmente trabalhadores sem terras.
Exercícios participativos foram realizados com as mulheres em Krishna Rakshit Chak para descobrir:
- o conhecimento delas sobre os alimentos silvestres disponíveis
- o papel delas na colecta de alimentos
- a disponibilidade de todos os alimentos durante as estações
- como a disponibilidade de alimentos silvestres mudou durante os anos.
Pediu-se que as mulheres preparassem calendários de estações sobre a disponibilidade e a variedade dos alimentos. Elas mostraram a disponibilidade dos alimentos durante o ano e as quantias disponíveis usando pequenas pedras. Elas usaram diferentes tipos de folhas, galhos e ramos para mostrar a disponibilidade e o consumo dos vários alimentos colhidos. Neste caso, os valores consumidos eram simplesmente estimativas.
Os pesquisadores regressaram depois de um pouco mais de dois anos, em 1995, quando se pediu novamente às mulheres que fizessem um calendário para indicar quaisquer mudanças que talvez tivessem acontecido.
Resultados
As mulheres mantêm registros dos diferentes alimentos silvestres disponíveis. Elas geralmente são responsáveis por apanhar os alimentos e prepará-los.
Ambos os calendários de estações revelaram longos períodos de fome que ocorreram apesar das estatísticas governamentais oficiais mostrarem colheitas recordes geradas por actividades agrícolas com muitos recursos e grandes estoques de alimentos do governo. Os períodos de fome foram ainda maiores e mais severos em 1995. Aparentemente, apesar das estatísticas oficiais mostrarem o contrário, as pessoas mais pobres enfrentaram carências alimentares ainda maiores em 1995 do que em 1993.
Os moradores do povoado preferiam o arroz como alimento de subsistência. O consumo de arroz variou de acordo com a disponibilidade os preços e a própria capacidade que tinham em encontrar trabalho e ganhar um sustento. Após a colheita (Argrhayan e Poush – entre meados de Novembro e meados de Janeiro), os preços baixam e o abastecimento é abundante. Este foi o período em que maior quantidade de arroz foi consumida. O preço do arroz foi o factor mais importante na escolha da compra do arroz ou de outro alimento de subsistência.
Os moradores do povoado puderam facilmente encontrar trabalho durante as épocas de colheita e, posteriormente, na debulha, seleção e descasca do arroz. Devido ao preço do arroz ser baixo durante estas épocas e os moradores do povoado terem recursos gerados por empregos ocasionais, eles compram a máxima quantidade possível de arroz para alguns meses seguintes.
Quando as actividades agrícolas da estação terminam, os moradores do povoado ganham um sustento vendendo peixe e lenha e usam o arroz comprado previamente. A vida fica mais difícil mais para o final do ano, o preço dos alimentos de subsistência aumenta e há muitos meses de fome persistente, quando as pessoas dependem demasiadamente da colecta de grãos. Entre 1993 e 1995, o período de fome aumentou de 5 para 8 meses. A quantidade de alimentos silvestres e apanhados disponíveis foi reduzida em 1995.
Quando se perguntou aos moradores do povoado porque razão as quantidades de alimentos colhidos (os quais incluíram caracois, abóbora, frutos do cabaceiro, espinafre, folhas, ervas, bananas verdes e plantas aquáticas silvestres) tinha reduzido em 1995, as explicações deles foram muito interessantes.
Primeiramente eles disseram que em 1993 eles tiveram livre acesso aos campos de agricultores relativamente abastados que lhes permitiram colectar alimentos que não planeavam usar. No entanto, estes agricultores que foram previamente abastados, agora estavam tendo dificuldade em gerar recursos suficientes e tinham começado a vender estes alimentos nos mercados locais.
Em segundo lugar, eles mencionaram que a área de terras comuns está reduzindo rapidamente. Hoje em dia, as terras comuns estão agora sendo usadas para outros propósitos tais como o florestamento social. Isto significa que as mulheres e as crianças têm de caminhar distâncias maiores para colher alimentos silvestres.
Conclusões
Apesar dos relatos oficiais sobre ’colheitas recordes de alimentos’ e o suposto crescimento da economia, beneficiando todas as famílias, a fome aumentou neste povoado. A perda do acesso aos alimentos silvestres e colhidos, tem aumentado os períodos de fome e removeu o mecanismo de defesa provisto pela natureza. O Estado ajudou preparando lagos para a criação de peixes e para a irrigação. No entanto, isto contribuiu a beneficiar apenas os proprietários de terras. A necessidade de ajudar com estratégias de sobrevivência para as pessoas sem terras e mais pobres na sociedade continuou a ser uma área de muita preocupação para esta comunidade e para muitas outras.
A Dra Neela Mukherjee é Professora de Economia na Academia Nacional de Administração, Mussoorie, UP 248 179, Índia. O marido dela, o Dr Amitava Mukherjee, é o Diretor Executivo da Action Aid na Índia, 3 Rest House Road, PO 5406, Bangalore 560 001, Índia.
EDITORA Você poderia testar exercícios participativos semelhantes a este na sua região para ajudar a compreender as necessidades das pessoas e a situação de falta de segurança alimentar delas?