“Você nunca vai conseguir” são as palavras que Zenebech Tesfaye, de 30 anos, lembra-se de ouvir quando entrou para o grupo de autoajuda Yenegefire (O Fruto do Amanhã) e planejou economizar 1 birr (US$ 0,05) por semana. “Eles riram, fizeram troça e tudo que foi tipo de comentário engraçado, mas eu decidi não prestar atenção e, sim, continuar economizando.”
Desde então, o grupo aumentou suas economias para 7 birres por semana. “Todos os que riram das minhas economias de 1 birr por semana agora estão implorando para entrar para o grupo, principalmente depois de verem até onde eu cheguei com o grupo” – diz ela.
Zenebech vende batatas fritas num restaurante perto de casa. “Com esse negócio, consegui pagar as matrículas escolares dos meus filhos, alimentá-los e vesti-los bem.” Ela até mesmo aumentou suas economias de 7 para 10 birres por semana (cerca de US$ 2,50 por mês). “Aprendi que o segredo da mudança está nas minhas mãos, e nunca mais vou olhar para trás.”
A Editora pediu a Mulugeta Dejenu, que tem estabelecido grupos de autoajuda na Etiópia há doze anos, para que respondesse a algumas perguntas sobre como esses grupos transformaram a vida das pessoas na Etiópia.
O que faz com que os seus grupos de autoajuda sejam bem-sucedidos?
Experiências comuns
Os grupos de autoajuda são formados por pessoas com status sociais semelhantes e que enfrentam desafios semelhantes na vida, tais como isolamento e acesso limitado a informações e recursos (financeiros e conhecimentos). Na Etiópia, as mulheres são afetadas por esses desafios mais do que os homens, pois elas frequentemente têm menos poder de decisão e não possuem acesso aos recursos familiares.
Aquele que quiser estabelecer grupos de autoajuda descobre quem são as pessoas mais pobres numa comunidade através de exercícios de classificação de poder aquisitivo, o que inclui falar com os principais líderes e a comunidade como um todo. Essas pessoas são convidadas para um encontro, onde é explicado o que é um grupo de autoajuda, e, depois, são convidadas a entrar para um grupo. Poucas pessoas querem participar no início, e as que querem geralmente o fazem com desesperança, medo e falta de confiança.
Entretanto, seus status sociais semelhantes e experiências comuns oferecem um ponto comum para que os membros do grupo de autoajuda desenvolvam relações rapidamente. Isso forma um vínculo forte e confiança entre eles e faz com que se comprometam com o propósito comum e tenham a determinação para superar a pobreza juntos.
Juntamente com as boas relações, vêm a confiança e a vulnerabilidade, que permitem que eles contem seus segredos mais profundos. Membros do grupo que viviam com HIV contaram sobre seu status e foram tratados como amigos. Muçulmanos e cristãos fizeram amizade. Grupos étnicos anteriormente isolados foram recebidos com cordialidade pelos membros do grupo de autoajuda. Para muitos membros, o grupo mostrou ser um ambiente de cura devido à aceitação e ao amor que ele oferece.
Autonomia através da democracia
Enquanto organizações de pessoas, os grupos de autoajuda são democráticos. Para as mulheres e os homens pobres, é muito raro ter uma oportunidade para exercer a democracia e ver como é usar sua autoridade na prática. Eles elaboram democraticamente sua própria constituição (código de conduta), e esta é aprovada pelos membros. Os membros do grupo de autoajuda elegem seus próprios líderes ou representantes. Cada membro tem de desenvolver habilidades de liderança e comunicação atuando como presidente de reuniões semanais, o que evita que elas sejam dominadas por uma só pessoa e oferece oportunidades e responsabilidades iguais para que cada membro cresça e se desenvolva como líder. Isso leva à transformação pessoal, pois as pessoas desenvolvem e cultivam novas habilidades.
Todos os membros são incentivados a participar durante as reuniões semanais. As pessoas sentem que pertencem ao grupo de autoajuda e que o grupo pertence a elas, pois o poder de decisão está nas mãos dos membros enquanto grupo.
A experiência de economizar
A abordagem do grupo de autoajuda oferece uma cultura de economia a pessoas que nunca economizaram antes, nem acreditavam que as pessoas pobres podiam fazê-lo. Para economizar, cada membro do grupo de autoajuda precisa cortar os gastos desnecessários e todo o desperdício, inclusive a má utilização do tempo. As economias semanais iniciais não são obtidas ganhando-se dinheiro, mas, sim, cortando-se despesas desnecessárias, como, por exemplo, diminuindo o consumo de café de três para uma vez por dia (café é a principal bebida social na Etiópia).
Os grupos de autoajuda incentivam as economias antes de oferecerem empréstimos aos membros para ajudá-los a entender o valor do dinheiro e para que eles passem pela dor do sacrifício para economizar. Depois de passarem pelas dificuldades de economizar, fica mais fácil para eles compreender o valor dos empréstimos e a importância de pagá-los em dia com um grande senso de responsabilidade. As instituições que começam emprestando dinheiro primeiro têm dificuldade em reavê-lo.
Mobilização dos próprios recursos
Os empréstimos dos grupos de autoajuda são tirados das economias semanais dos membros, acumuladas durante um período de seis a doze meses. Os grupos de autoajuda fazem suas próprias economias e não tomam empréstimos fora do grupo por, pelo menos, um ano. Os empréstimos do grupo mantêm os membros longe das garras dos impiedosos agiotas locais.
Os membros solicitam o empréstimo através de um formulário que especifica para o que ele será usado, por quanto tempo o empréstimo será feito e o período de amortização. As solicitações de empréstimo são examinadas pelo grupo, e as decisões são tomadas através de votação. Os juros dos empréstimos são adicionados ao capital do grupo e disponibilizados para mais empréstimos. Na Etiópia, vemos que cerca de 98 por cento dos empréstimos são pagos, e as poucas pessoas que não conseguem pagá-los têm bons motivos, tais como morte, divórcio e falência. A capacidade de economizar e oferecer empréstimos traz um grande senso de independência, dignidade e autoconfiança para os membros do grupo de autoajuda. Quando há uma cultura enraizada de dependência no apoio externo, os grupos de autoajuda trazem liberdade através da autodisciplina e do apoio mútuo.
Quais são os benefícios de não ter apoio externo, exceto o incentivo do facilitador?
Muitos membros do grupo de autoajuda tomam a iniciativa de apoiar os outros membros em suas tarefas através de incentivo e orientação. O sucesso dos negócios dos membros é frequentemente compartilhado nas reuniões e no caminho para casa. Um recente estudo comparando os custos e os benefícios do grupo de autoajuda mostrou o benefício da transferência de habilidades entre os membros para o crescimento da renda.
Os primeiros seis meses são os mais difíceis, e, durante este período, o papel do facilitador é muito importante. Os facilitadores ajudam a criar os hábitos e os comportamentos que fazem o grupo funcionar. Eles ajudam os membros do grupo a se conhecerem e confiarem uns nos outros, além de ajudá-los a se disciplinarem para economizar regularmente todas as semanas.
O facilitador organiza o treinamento em gestão de poupança e crédito, desenvolvimento de pequenas empresas, atividades de geração de renda e habilidades de liderança, sempre com ênfase na autodescoberta. Com o tempo, os próprios grupos de autoajuda podem acessar habilidades, conhecimentos e recursos externos.
Quais são os perigos das doações e dos empréstimos vindos de fora da comunidade?
As doações vão contra o princípio mais básico dos grupos de autoajuda: dar autonomia às pessoas. Os grupos de autoajuda têm como objetivo trazer um senso de dignidade e independência através do trabalho árduo dos membros, que mobilizam os seus próprios recursos. O princípio de “ajudar as pessoas a solucionarem seus próprios problemas ao invés de tentar solucioná-los para elas” é a base para a prosperidade dos grupos de autoajuda como organizações de pessoas. Qualquer tentativa de oferecer doações destrói a motivação do grupo para ser bem-sucedido através de seus próprios esforços. As doações corroem sua criatividade e capacidade de liberar seu próprio potencial. Os grupos que receberam doações de ONGs (Organizações Não Governamentais) confusas, que não compreenderam a abordagem do grupo de autoajuda, pararam de se reunir.
Qual é o potencial dos grupos de autoajuda?
Em dois ou três anos, vê-se uma mudança geral nos membros do grupo de autoajuda em termos de autoestima, autoconfiança e crescimento da renda. Os membros conseguem mandar os filhos para escolas melhores, pagar suas despesas médicas, consumir alimentos mais nutritivos, construir moradias melhores, realizar, pelo menos, um programa de geração de renda e contratar familiares.
Em cinco anos, os membros iniciam novos negócios, muitas vezes, passando dos mercados para lojas alugadas. Em dez anos, os grupos têm aspirações de iniciar empresas conjuntas e estabelecer bancos e empresas de seguro. Alguns grupos, já estabelecidos há dez anos, sonham em colocar membros do grupo de autoajuda no parlamento para lidar com questões relacionadas com os direitos básicos das mulheres e das crianças.
Com o nosso agradecimento a Grace Kamuyu pelo uso de suas entrevistas com Zenebech Tesfaye e Adenach Woshebo.
Mais informações sobre como iniciar grupos de autoajuda e grupos de poupança podem ser encontradas nos livros Releasing potential e PILARES – Crédito e empréstimos para pequenas empresas.
Passos para iniciar grupos de autoajuda
Os grupos de autoajuda crescem gradualmente, como as plantas:
- um grupo de fora da comunidade, que sabe como iniciar grupos de autoajuda, visita uma comunidade (preparo do solo);
- as pessoas mais pobres da comunidade são identificadas e convidadas a participar dos grupos de autoajuda (plantio da semente);
- facilitadores do grupo de fora ajudam a estabelecer os grupos de autoajuda (a pequena planta é cultivada e aguada);
- com o tempo, a necessidade de facilitação intensiva diminui (a planta começa a se fortalecer e, no final, produz frutos).